Místicos x Cientistas
Allan Kadec não deixou um sucessor definido – ele previa que o espiritismo fosse conduzido por um grupo com comandantes seguindo mandatos curtos. Sua morte acabou por lançar o espiritismo num debate ferrenho: ciência ou religião?
Na Europa, venceram os partidários da tese de que os estudos do professor tinham caráter científico. Eles tinham bons motivos para isso. “Kardec foi um dos pioneiros a propor uma investigação científica, racional e baseada em fatos observáveis, das experiências espirituais. Desenvolveu todo um programa de investigação dessas experiências, ao qual deu o nome de Espiritismo”, afirma Alexander Moreira-Almeida, professor da Escola de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e diretor do Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da UFJF. “A proposta mais ousada de Kardec foi a de naturalizar a dimensão espiritual, tornando-a, assim, passível de investigação científica.
“Hoje, entre os europeus, o kardecismo é visto como pseudorreligião. Na virada do século 20, fazia todo o sentido acreditar que os conceitos dele
seriam incorporados às pesquisas do meio acadêmico”, afirma o historiador John Monroe, professor da Universidade de Iowa.
seriam incorporados às pesquisas do meio acadêmico”, afirma o historiador John Monroe, professor da Universidade de Iowa.
O Brasil viu a mesma divisão, e, num primeiro momento, parecia que o mesmo lado seria vencedor. Um dos mais importantes líderes do espiritismo do Brasil, o jornalista e professor italiano Afonso Angeli Torteroli, liderava os científicos e organizou o 1º Congresso Espírita Brasileiro, em 1881, no Rio de Janeiro. Foi lá que intelectuais defenderam a nova linha de pensamento – pessoas respeitáveis a ponto de terem sido recebidas pelo imperador dom Pedro II em 28 de agosto de 1881. Mas, bem de acordo com o pensamento progressista da época, os espíritas eram, em geral, republicanos e abolicionistas.
Mas foi o aspecto religioso do espiritismo que venceu. E por dois motivos. Em primeiro lugar, o lado religioso funcionava melhor para uma população ligada a um cristianismo que, em geral, convivia tranquilamente com curandeiros, benzedeiros e cartomantes. “A preocupação científica e filosófica não tem o mesmo appeal para nós como tem o lado religioso-ritualístico: tomar um passe, livrando-se das energias ruins se apresentaria como mais conveniente do que adotar uma doutrina complexas e cheia de princípios”, afirma o professor de sociologia da Universidade de Brasília Paulo César da Conceição Fernandes, em uma tese de mestrado sobre as origens da religião no Brasil.
Em segundo lugar, o mais importante líder entre os espíritas depois de Allan Kardec e antes de Chico Xavier, o ex-deputado Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti, concordava com os místicos. Mas teve também o talento de não dispensar os científicos. A Federação Espírita do Brasil, criada em 1884 pelo fotógrafo português Augusto Elias da Silva, seria presidida duas vezes pelo doutor Bezerra e estimulou a publicação de livros e textos de cunho acadêmico. “O espiritismo oferece uma orientação para a prática da mediunidade, recomendando que ela seja praticada quando contribuir para o bem e para a educação espiritual do homem”, afirma Antonio Cesar Perri de Carvalho, presidente da Federação Espírita Brasileira.
Nomes famosos da literatura nacional aderiram rápido. Os poetas Castro Alves e Augusto dos Anjos, de um lado, se aproximaram da nova religião. Já José de Alencar e Machado de Assis a atacavam – mas só depois de se darem ao trabalho de conhecê-la. Augusto dos Anjos foi o mais empolgado: em sua cidade, Engenho do Pau D’Arco, Paraíba, ele conduzia sessões, recebia espíritos e psicografava. Quando Chico Xavier nasceu, em 1910, o hábito de receber romances do além já era disseminado e se tornaria uma das marcas da nova religião, que, para muitos, já tinha muito pouco a ver com o que Kardec havia imaginado.
Fonte: aventurasnahistoria
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